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Considerações e deambulações sobre improviso

Concentração e Performance: A Arte do Foco Olímpico

Julho 30, 2024

Foco e concentração são capacidades cruciais para um desempenho de excelência. Os Jogos Olímpicos representam a excelência desportiva e só os atletas com um elevado desempenho físico e mental conseguem qualificar-se.

A elite de atletas que se qualifica para os Jogos Olímpicos é diferente de todos os restantes. O caminho para chegarem até esta prova demorou anos a ser percorrido e exigiu treino físico diário e uma disciplina apenas alcançável por uma minoria muito reduzida de pessoas. Para além do treino físico, também a vertente psicológica tem de ser intensamente trabalhada. 

Nos Jogos Olímpicos de 2020, em Tóquio, a norte-americana Simone Biles, a maior ginasta da actualidade e da sua geração, abandonou a competição para poder tratar da sua saúde mental. Quatro anos depois, nos Jogos Olímpicos de Paris, Biles regressou mais forte e determinada do que nunca.

Este incidente foi um dos acontecimentos mais mediáticos dos Jogos Olímpicos e trouxe para o fórum público o debate sobre a saúde mental dos atletas de alta competição e, por consequência, a importância da saúde mental no geral.

Para um atleta poder ter o seu melhor desempenho, é imprescindível que as suas capacidades mentais estejam tão preparadas como a sua condição física e a sua técnica.

 

Maior o foco, melhor o desempenho

Todos os desportos são diferentes e exigem diferentes capacidades aos seus atletas. Mas ao assistir às várias competições olímpicas, uma coisa é comum e transversal a todos os desportos: cada atleta, sem excepção, demonstra um elevado nível de foco e concentração antes de executar uma acção (início de uma corrida, um salto, um disparo, um serviço, um remate, etc…).

Como actor, não consigo deixar de ver o paralelismo entre o desempenho numa prova olímpica e a subida a um palco para improvisar. Antes de entrar em cena (e durante a própria cena), a nossa concentração e foco, enquanto actores sem guião, tem de ser total, porque só assim conseguimos desempenhar os vários papéis (que não conhecemos porque surgem no momento), de forma lúcida, íntegra e no topo das nossas capacidades.  

O ciclista Filippo Ganna e o tenista Jaume Munar concentrados nos Jogos Olímpicos de 2024.

É por isso que o foco e a concentração são duas ferramentas essenciais para qualquer improvisador. O treino do improviso é dedicado continuamente ao trabalho destas capacidades. Aliás, qualquer tarefa (profissional ou lúdica) que tenha uma exigência elevada (complexidade, esforço físico e mental, etc…), pressupõe níveis elevados de concentração. Quanto maior o foco e concentração, melhor o desempenho. 

Para melhorar a concentração, apoiamos-nos na nossa capacidade cognitiva de aprender e desenvolver novas capacidades.  O cérebro humano é plástico, o que significa que pode ser moldado e melhorado através treino cognitivo. Esta habilidade do nosso cérebro é denominada de neuroplasticidade.

É possível melhorar a nossa capacidade de concentração porque o nosso cérebro é capaz de se adaptar e mudar em resposta às novas experiências e aprendizagens adquiridas.

 

Improvisar ajuda a neuroplasticidade 

A prática do teatro de improviso tem efeitos muito positivos na neuroplasticidade e na função cognitiva de cada um de nós, independentemente da nossa profissão ou características pessoais. 

Estes são alguns dos efeitos cognitivos do treino de improviso:

1 – Estimula a criatividade e a flexibilidade cognitiva

O teatro, especialmente o de improviso, exige criatividade e adaptação rápida a novas situações. Não existem duas cenas iguais nem duas interpretações feitas da mesma maneira. Mesmo a repetição de exercícios em aula nunca é uma reprodução exacta do que foi feito anteriormente. Este treino constante pode melhorar a flexibilidade cognitiva, uma habilidade crucial para a neuroplasticidade.

 

2 – Melhora a memória e a prática de mindfulness

Apesar de não recorrer à memorização prévia de guiões, o teatro de improviso exige que cada improvisador saiba o que já foi dito e feito em todos os momentos de uma cena (ou de uma peça), para poder reagir de forma coerente e lógica. A tarefa de memorização (verbal e não verbal) é praticada em simultâneo com o desempenho dos papéis, o que aumenta a necessidade de escuta activa e concentração. Estar no presente e consciente de todos os acontecimentos (internos e externos) é essencial para se improvisar, o que permite praticar continuamente o estado de mindfulness.

 

3 – Reduz o stress e aumenta o bem-estar emocional

Os jogos teatrais e as dinâmicas de improviso são conduzidas com humor, liberdade para errar, descompressão e foco na “brincadeira”. A diversão é uma das ferramentas pedagógicas mais úteis no treino do improviso. Estas características permitem reduzir stress e melhorar o bem-estar emocional, factores que indiretamente beneficiam a neuroplasticidade.

 

4 – Promove o envolvimento social

No teatro improviso, a interdependência entre colegas é inseparável do desempenho. A cumplicidade entre colegas um bom espírito de grupo são essenciais para o desempenho da improvisação teatral. A necessidade de interacção e cooperação podem fortalecer as conexões neurológicas através do aumento da sociabilidade e do envolvimento social.

 

Como vimos, a prática de teatro de improviso pode ter um impacto positivo na neuroplasticidade, promovendo o aumento das capacidades de concentração e foco. Se juntarmos o treino destas capacidades à componente performativa, podemos considerar que o teatro de improviso pode ser uma excelente forma de exercitar e pôr em prática as nossas capacidades de concentração. Mesmo que nunca consigamos atingir os “mínimos olímpicos” para competir na maior prova do desporto mundial. 

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