Ao longo dos anos, no contacto com alunos e empresas, tenho-me deparado frequentemente com ideias erradas e preconceitos enraizados que subestimam a técnica e a arte subjacentes ao trabalho de improvisação.
Os mitos relacionados com o teatro de improviso e a improvisação em geral são vastos e quase universais.
Hoje, assumo o papel de “caçador de mitos” para desmistificar alguns dos equívocos mais comuns sobre o teatro de improviso. Esta é apenas a primeira parte deste mergulho nas ideias pré-concebidas que rodeiam esta arte tão rica e diversificada.
1
Aquilo é tudo ao calhas. Para se improvisar basta inventar coisas aleatórias no momento.”
Mito:
Muitos acreditam que o teatro de improviso é completamente espontâneo e aleatório, onde tudo se resume a dizer ou fazer o que nos passa pela cabeça.
Realidade:
O improviso teatral exige treino, prática e domínio de princípios fundamentais. Não é apenas sobre reagir de forma aleatória; é sobre construir positivamente com os colegas, respeitando a cena e o público. Princípios como aceitação, escuta activa, colaboração e intencionalidade positiva são pilares que sustentam a criação em palco.
Se tudo for “ao calhas”, o resultado será caótico e, muito provavelmente, desconfortável para quem está em cena e para o público. O improviso bem-sucedido é fruto de trabalho árduo, técnica e confiança mútua entre todos participantes.
2
Improviso é para rir. É preciso ser engraçado para se fazer improviso.”
Mito:
O teatro de improviso é sinónimo de comédia. Muitas pessoas acreditam que é a mesma coisa que stand-up e que, para se improvisar, é necessário ter piada e ser naturalmente engraçado.
Realidade:
O improviso não se limita à comédia. Tal como no teatro tradicional, pode incluir drama, tragédia, suspense ou até terror. O objectivo não é forçar o riso, mas sim criar cenas genuínas e autênticas.
Os melhores improvisadores respeitam a realidade da história em desenvolvimento. Forçar piadas em detrimento da cena compromete a colaboração com os colegas e a imersão do público. A comédia, quando surge, é muitas vezes o resultado natural de reações verdadeiras e situações espontâneas.
É importante destacar que existem formatos específicos de comédia de improviso, cujo foco principal é fazer o público rir. Estes espetáculos são os mais populares e, por isso, criam a impressão de que o improviso se limita à comédia. No entanto, o teatro de improviso vai muito além disso, abrangendo uma vasta gama de emoções e géneros.
3
Não há regras no improviso.”
Mito:
No improviso, tudo é permitido, e não existem restrições ou orientações.
Realidade:
Embora a liberdade seja um elemento essencial do improviso, a sua utilização está enquadrada por regras e princípios que garantem a coesão e a eficácia das cenas. Estes incluem apoiar os colegas, aceitar e desenvolver as ideias apresentadas, evitar bloquear propostas, agir em prol da história colectiva e encarar o erro como oportunidade.
Estes e outros princípios orientadores que ajudam o desenvolvimento da arte da improvisação são complexos e existe um extensa bibliografia especializada sobre este tema.
Improvisar sem considerar os princípios basilares pode levar a cenas confusas e desarticuladas. O treino que se faz em improvisação é precisamente focado na aplicação prática destas orientações, permitindo criar histórias claras, envolventes e colaborativas. Por outro lado, as regras ajudam cada pessoa a obter a confiança, disponibilidade e espontaneidade necessárias para improvisar em situações de elevada pressão perante o público.
Estes são apenas três dos mitos mais comuns sobre o teatro de improviso que procurei desmistificar. Espero ter ajudado a clarificar algumas ideias erradas e a valorizar a complexidade desta arte.
Se ainda restarem dúvidas, contactem-me. Será um prazer esclarecer questões ou aprofundar algum ponto que tenha suscitado interesse.