O teatro de improviso é frequentemente rodeado por uma série de mitos que, embora comuns, não reflectem a verdadeira natureza desta arte. Esta sequência de artigos pretende esclarecer e corrigir algumas destas ideias erradas.
No artigo anterior, desmistificámos três mitos comuns sobre o teatro de improviso: a ideia de que tudo é feito ao calhas, de que é necessário ser-se engraçado para improvisar e de que não existem regras. Agora, vamos continuar a incursão pelos mal-entendidos que envolvem a arte da improvisação e abordar questões relacionadas com a existência do caos, a ocorrência do erro e a sua aplicação em diferentes profissões.
4
Os improvisadores sabem sempre o que estão a fazer em palco.”
Mito:
O público acredita que os improvisadores têm sempre uma direcção clara em mente e um plano detalhado que orienta todas as suas decisões durante as cenas.
Realidade:
Muitas vezes, mesmo os improvisadores mais experientes, não sabem exactamente para onde vai uma cena. Parte da magia do improviso vem da confiança que se deposita no processo de descoberta e na integração do inesperado enquanto se cria no momento.
É através da aceitação e da construção colaborativa, do princípio clássico do “Sim, e…”, que os improvisadores exploram o desconhecido sem sobrecarregar o processo com um planeamento excessivo ou demasiadas expectativas sobre qual o decurso de uma história. Este estado de colaboração requer abertura para construir o caminho à medida que o percorremos.
No entanto, isto não significa que os improvisadores estejam constantemente a mudar o rumo das cenas. A coerência narrativa continua a ser uma prioridade e todas as decisões devem ser tomadas para respeitar aquilo que já foi criado.
Em resumo, um improvisador está preparado para o inesperado e confortável perante o desconhecimento do que está por vir.
5
Os bons improvisadores não cometem erros.”
Mito:
A ideia de que os improvisadores experientes nunca falham ou cometem erros é uma crença comum entre os que não conhecem bem o processo.
Realidade:
Os erros são parte integrante da improvisação, independentemente da experiência do improvisador. Errar é algo inevitável — até desejável — nesta arte. Um improvisador experiente não vê o erro como uma falha, mas como uma oportunidade criativa.
O que diferencia um improvisador experiente de um iniciante é a forma como lida com o erro. A experiência permite ver os erros como momentos de descoberta, como formas de aprofundar personagens ou explorar novas direções na história em desenvolvimento. Em vez de se deixar dominar pela frustração, um improvisador deve abraçar o erro e usá-lo como um recurso para enriquecer a cena.
O improviso, por natureza, envolve caos, e isso faz parte do processo criativo. Os bons improvisadores sabem que errar faz parte do caminho e lidam com ele de forma positiva.
O que seria mais correcto afirmar é que os bons improvisadores não tomam decisões que prejudicam a construção e o desenvolvimento das cenas. Bloquear um parceiro de cena, negar uma oferta, forçar uma ideia ao outro ou desvalorizar um acontecimento emocionalmente verdadeiro são exemplos de decisões destrutivas. Em certos contextos, estas acções podem ser consideradas más práticas no exercício da improvisação teatral.
6
Improviso é só para actores ou comediantes.”
Mito:
A improvisação é frequentemente vista como uma competência exclusiva para “performers”, ou seja, para aqueles que querem representar em palco perante um público.
Realidade:
As habilidades desenvolvidas através da improvisação teatral são valiosas em muitas outras áreas além da representação. De facto, a maioria das pessoas que participa em workshops de improviso não tem a intenção de se tornar actores, mas sim de melhorar as suas competências pessoais e profissionais.
O improviso é útil em áreas como a comunicação, resolução de problemas, criatividade, trabalho em equipa, atendimento ao público, ensino, coaching, entre outras.
O treino da improvisação prepara as pessoas para se adaptarem rapidamente a situações inesperadas, promove a colaboração e estimula a inovação. Estas competências são essenciais em quase todos os ambientes profissionais e ajudam a melhorar a flexibilidade e a eficácia na tomada de decisões. Por isso, está cientificamente comprovado que o treino do improviso beneficia qualquer pessoa, independentemente da sua profissão ou área de actuação.
Improvisar é uma competência complexa. O seu uso como ferramenta de desenvolvimento pessoal e profissional ainda é uma área em expansão e pouco explorada. Mesmo no âmbito artístico, a maioria do público não conhece a vertente mais ampla do teatro de improviso que não seja focado na comédia.
Espero que, com estes esclarecimentos, tenha ficado mais claro como o improviso abrange um grande espectro de possibilidades e como pode ser uma ferramenta valiosa, não só para artistas, mas para qualquer pessoa que deseje melhorar as suas capacidades de adaptação e colaboração.
Caso queiram algum esclarecimento adicional ou tenham interesse em experimentar a arte da improvisação, contactem-me. Venham descobrir a utilidade do “Sim, e…”.